sábado, 1 de maio de 2010

Entrevista - Dr Eduardo Kalina

Posto a entrevista com o Psiquiatra Argentino Dr. Eduardo Kalina, pois sem duvida, é uma grande autoridade no assunto da Dependencia quimica. Leia e faça seus comentarios logo abaixo.
Paz e Bem. Tio Élio “O CRACK DESTROI O Homo sapiens”

Veículo: Zero Hora
Secção: Crack nem pensar
Fonte: Reportagem de Ângela Ravazzolo
Data: 18/04/1010

Tio Élio: : A entrevista abaixo foi dada pelo Psiquiatra Eduardo Kalina, médico argentino, o qual tive como privilégio participado de um curso ministrado pelo mesmo no RJ na década de 1990. Para mim é uma das maiores autoridades em dependência química no mesmo nível de nosso Ronaldo Laranjeira, psiquiatra e professor da Unfesp. O Dr Kalina é Diretor médico do Brain Center, em Buenos Aires, desde 1994. Vejamos sua entrevista concedida a Ângela Ravazzolo, repórter do grupo RBS.

“ Não existe cura total definitiva porque o cérebro se modifica a partir da experiência com a droga, aprende uma nova linguagem que não esquece nunca.”

ZH – O Sr. Disse que o cérebro nunca esquece a sensação provocada pela droga, lembrando que a “cura” da dependência química exige uma abdicação total das drogas, incluindo o cigarro e o álcool. Não há uma cura para a dependência química?
Kalina - A palavra cura é uma palavra que tem muitos significados.
Por Exemplo: uma pessoa tem um surto de apendicite. Você opera, retira o apêndice doente e aquilo curou para sempre, nunca mais vai ter apendicite porque não tem mais apêndice. Esse é um conceito de cura total, definitiva. Porem, no campo das drogas, o conceito de cura é diferente.
T.E.- Justifica o porque nós chamamos de RECUPERAÇÃO.

ZH – Como seria esse conceito?
K – Não existe cura total definitiva porque o cérebro se modifica a partir de experiência com a droga, aprende uma nova linguagem, que não esquece nunca.
Uma pessoa fuma 20 cigarros por dia, começa com 15 anos , quando tem 25 anos, para. Cinqüenta anos depois, a pessoa tem 75 anos, passou 50 anos sem fumar, acende um cigarro e, oito, 10 segundos depois, aquela coisa que se modificou no cérebro acorda e a pessoa começa a ter necessidade de fumar. Não esqueceu nunca essa nova linguagem aprendida com a nicotina.
Num futuro próximo, com a medicina genética, quando poderemos fazer modificações genéticas, provavelmente vai haver cura definitiva.
Agora o que nós chamamos de cura é quando a pessoa aprende a dizer não.
Para controlar a droga, compensamos com remédios, fazendo com que o cérebro acomode à normalidade, mas não tem garantia nenhuma. É preciso desdrogar-se.
Tirar todas as drogas, porque muitas pessoas querem parar o álcool, mas seguem consumindo o tabaco. E o risco de voltar é grande.
T.E.- Evite o primeiro gole. Pare também de fumar; caso contrario a recaída será muito provável.



ZH – Acredita que é preciso abdicação total?
Kalina – Toda pessoa que compreende que para sair das drogas é preciso abdicar de tudo, uma parada total, incluindo álcool e tabaco, está praticamente curada.
Para quem deseja seguir fumando e bebendo de quando em quando, o numero de recaídas será muito grande.
TE – Veja a justificação dos princípios de uma CT, abstinência total e mudança de vida através do auxilio da espiritualidade. Eu sempre digo: “Sem conversão não há recuperação”

ZH – A recuperação do crack é mais difícil?
Kalina – Não existem duas pessoas iguais, não é possível fazer generalizações.
A recuperação é difícil porque o crack provoca muitos danos, e algumas lesões são irreversíveis.
Alem disso, muitos usuários têm uma vida pobre, sem uma boa nutrição, não usavam muito o cérebro, então, ele estraga mais rápido.
Temos um caso agora na Argentina de uma advogada, que começou a consumir já sendo uma profissional com boa posição. Ela passou mais de um ano consumindo, depois pediu ajuda e foi tratada.
Eu a conheci em um programa de TV em que ela esta contando os danos que tinha sofrido. Ela conseguiu um bom nível de recuperação e agora esta bem melhor porque era uma pessoa bem alimentada, com um cérebro que trabalhava, mais ativo, tinha todas as condições para sair.
Muitos que começam na adolescência ou na infância não conseguem.
Uma pessoa culta que tem Alzheimer demora muito mais para decair quando comparada a pessoas que não usaram muito o cérebro.

ZH – A partir de um estudo mais detalhado do cérebro é possível redimensionar a recuperação?
Kalina – Claro. Dependendo de como esta lesionado o cérebro, podemos recuperar mais ou menos.
Há pessoas em que estamos testando a técnica de reabilitação cognitiva.
Algumas delas tiveram uma boa formação, então conseguimos muitas coisas mais rápido do que com aquele menino de rua que usa crack e fica afetado de uma forma horrível em pouco tempo.

ZH – Existem algum momento do tratamento de recuperação que é mais difícil?
Kalina – Desde a primeira etapa, quando nós temos que limpá-los, porque não conhecemos o que usaram.
Não é uma substancia sempre igual, preparam com um monte de porcarias.
Imagine um menino de 10 anos, mal alimentado, sem escolaridade, e que começa a fumar compulsivamente. Ataca sistema respiratório, coração, artérias. Alguns deles parecem velhos.
É muito difícil, é preciso medicar muito bem, ter recursos, e geralmente o governo nunca tem recursos para essas coisas.

ZH – No RS, há muitas comunidades terapêuticas independentes que colocam os usuários em atividades ligadas à agricultura, algumas delas ligadas a rituais religiosos. Elas tem algum sucesso. Como o senhor avalia esse tipo de comunidade?
Kalina – Para mim, essa é uma segunda etapa (CT) .
A primeira é medica, psiquiátrica e clinica.
Por exemplo, essa mulher mencionada antes (advogada) estava com anemia, produzida pelos tóxicos. Tivemos que tratar a anemia, a hipertensão,
tratamos uma serie de problemas físicos e do cérebro. E, agora que ela esta bem, os tratamentos sociais de recuperação, como fazendas ou comunidades, são muito importantes. Porem, é preciso primeiro um grande tratamento biológico ou ficam danos irreversíveis.

ZH – Essa segunda etapa também incluiria um atendimento psicológico, por exemplo?
Kalina – Claro. Conviver em grupo, trabalhar, tudo isso auxilia a pessoa a se ressocializar. Ao mesmo tempo, quando o paciente está muito doente, na primeira fase do tratamento muitas vezes usamos a terapia individual para ajudar.
Chamamos de “limpeza” esse período de desintoxicação. Para isso, os remédios ajudam muito.
Acho um erro muito grande não tratar toda a parte biológica, que com o crack fica muito comprometida , especialmente o cérebro frontal, que é a região que permite sermos pessoas civilizadas.

ZH – Explique melhor essa função do cérebro frontal?
Kalina – Quando esses meninos têm danos importantes no cérebro frontal, eles deixam de funcionar como pessoas, são como macacos.
Nós tratamos com medicamentos e fazemos trabalhos cognitivos para fazer a região voltar a funcionar.
Quando ela é atrofiada, a pessoa vira um gorila.
Você precisa da parte frontal para pensar em Deus, ter espiritualidade crenças, filosofia, ver o sentido da vida.
Os meninos que ficam com dano nessa zona, a maioria dos que entram em crack e cocaína, viram animais . Eles matam porque gostam de um tênis que a pessoa usava. Pegam o tênis e vão embora,não importa se mataram uma pessoa que tem família, não importa nada.

ZH – O senhor esta dizendo que o crack tira o sentido de civilização do homem. Ela é a droga mais devastadora nesse sentido até agora?
Kalina – Claro. O crack faz voltar o Homem de Neandertal, destrói o homo sapiens. Por isso digo: o governo que não luta contra isso esta permitindo o suicídio.

ZH – Que conselho daria a uma família de um jovem que convive, por exemplo, em um ambiente onde circula o crack?
Kalina - Primeiro, dar um bom exemplo.
Um pai que toma um copo de vinho no jantar não esta criando um filho toxicômano. Porem, um pai que esta todo dia fumando e que bebe muito não pode dizer ao filho que não consuma, porque ele esta consumindo.
Muitas pessoas não se dão conta de que estão constantemente dando exemplos.
Segundo, é importante, desde criança, ensinar o perigo que isso significa.
Nos EUA, em um colégio com crianças entre sete e 12 anos, fizeram um jogo que teria como premio uma viagem à Disney de graça. Todos queriam participar e perguntaram: “Como é a prova?”
Disseram a eles que teriam de atravessar uma fossa com jacarés. Então ninguém quis brincar, todos responderam não, porque o jacaré devora, bate com o rabo e pode quebrar a cabeça.
Então o doutor que organizou esse jogo falou: “Toda criança sabe o perigo dos jacarés.
Temos que fazer o mesmo com nossos filhos, para que eles aprendam o perigo da droga”.
Quando se explica à criança pequena o perigo do cigarro, ela luta para que os pais parem de fumar.
Temos que fazer o mesmo com a droga, um trabalho de educação, informação e prevenção. E, alem disso controlar a presença da droga, não facilitar, não legalizar, cuidar muito, proibir a apologia à droga.

ZH – Existem algumas características recorrentes entre as pessoas que são usuárias de droga ou não se pode identificar isso?
Kalina – Sim, pode-se dizer. Quem conhece esse tema, consegue identificar aqueles que podem ir às drogas.
Jovens que tem conflitos, são impulsivos ou tem uma família onde há patologia, tem muito mais facilidade de chegar às drogas.
Um grupo de estudiosos americanos avaliou que se estudássemos, entre crianças adolescentes aquelas que tem componentes depressivos ou bipolares, seria possível prevenir muito o uso de drogas. Por isso é preciso cuidar por fora para que a droga não chegue até a pessoa . Detectar e diagnosticar aqueles que podem usar drogas e trabalhar com eles.

Infelizmente hoje no Brasil, tem muitos músicos, pintores políticos, jornalistas, opinando sobre drogas e muito pouco se trabalha com profissionais da saúde. Esse tema tem que ser tratado como uma emergência nacional.




Compilado por Elio Nepomuceno de Andrade
Coord Prog Rec da CRIC

Um comentário:

  1. É Tio Élio dei uma pesquisada no crystal, e vi que a parada é dura, queria muito entrevistar voce posso????

    Abração!!

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